Modelando a curva de contágio da COVID-19 em Caruaru, Pernambuco

Eryka Fernanda Miranda Sobral†

Wellington Charles Lacerda Nobrega‡

Kayo Henrique de Carvalho Monteiro∗

Patricia Takako Endoˁ

 

1 Introdução

Conforme a nota “#FiqueEmCasa: Monitorando as tendências de isolamento social na cidade de Caruaru”(ENDO et al., 2020), apesar de ter apresentado um aumento significativo no índice de isolamento social definido pela In Loco, a cidade de Caruaru apareceu em último lugar no ranking em comparação com as demais cidades da Região Metropolitana do Recife (RMR). No dia 01 de março, Caruaru possuía um índice correspondente a 24%; no dia 14 de março, o índice praticamente dobrou, chegando a 47,65%, e por fim, no dia 30 de março, alcançou a marca de 50,76%, um valor ainda distante do ideal de 70%.
Apesar de todas as medidas adotadas pela prefeitura, a adesão ao isolamento social por parte da população caruaruense ainda é baixa. Assim, o objetivo desta nota é apresentar simulações sobre o crescimento do contágio por COVID-19 no município de Caruaru, Pernambuco. Apesar da existência de diversos outros modelos de contágio (como modelos SEIR e suas variações), esta nota apresenta um exercício preliminar para a cidade de Caruaru, havendo apenas poucos dados para análise utilizando um modelo já bastante conhecido na literatura.
Ressalta-se aqui que este trabalho apresenta um modelo matemático, e por-tanto, possui suas limitações; e são feitas as seguintes suposições: (i) a população é constante, isto é, nascimentos e mortes não são levados em consideração ao longo da pandemia; (ii) os indivíduos são igualmente susceptível à doença; e (iii) os indivíduos ficam imunes após uma única infecção.
De toda forma, a relevância da análise compreende o fato de que em tempos de incerteza, os indivíduos precisam tomar decisões cotidianas, como gerenciar os estoques de produtos básicos, quanto consumir e economizar, entre outros, e essas decisões dependem da expectativa de quanto tempo e gravidade a epidemia ocorre (TODA, 2020). Dado que as pandemias são eventos raros, em um momento de ex-trema incerteza, tomar decisões econômicas se torna desafiador. Nesse caso, quando experiências ou dados passados não são tão relevantes em novas situações – como é o caso dessa situação da COVID-19 – modelos matemáticos simples são úteis para analisar a situação atual e prever com certa acurácia o futuro próximo. Nessa conjuntura, os governos também devem tomar decisões quanto a adoção de medidas de restrições de viagens, distanciamento social, fechamento de escolas, comércio e empresas, e outras, assim como, sobre por quanto tempo essas devem durar (ANDERSON et al., 2020).

 

2 Dados

Os dados utilizados nesta análise são de fontes como: (a) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para estimativas da população 2019; (b) Secretaria de Saúde da prefeitura municipal de Caruaru para número de contaminados, mortalidade e recuperados.
A Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE) notificou o primeiro caso de COVID-19 em Caruaru no dia 23 de março, porém o primeiro caso de contaminação comunitária foi confirmado no dia 27 de março. Os dados são diários e nesta nota abrangem o período de 01 de março a 08 de maio de 2020. A Figura 1 mostra a evolução do número de contaminados (linha azul) e óbitos (linha vermelha) no município de Caruaru, no período considerado.

Figura 1 – Evolução da Curva de Contágio e do Número de Óbitos

A partir da referida figura observa-se que o novo coronavírus já infectou 96 pessoas no município de Caruaru, em menos de dois meses da confirmação do primeiro caso de contaminação. Enquanto o número de mortos chegou a 10, resultando em uma taxa de letalidade – número de mortos por casos diagnosticados – correspondente a 9,6% no município, no período de 23 de março a 08 de maio de 2020. Um resultado preocupante dado que supera a média brasileira do período, de 6,8%(BRASIL/MS, 2020).

 

3 Método

Com base no modelo epidemiológico SIR (Susceptíveis – Infectados – Recuperados), desenvolvido por Kermack e McKendrick (1927), em que: (i) suscetíveis (S), representa a classe de indivíduos que estão saudáveis, mas podem contrair a doença;(ii) infectados (I), a classe de indivíduos que contraíram a doença e são capazes de infectar indivíduos suscetíveis; (iii) removidos (R), a classe de indivíduos que estão recuperados e não podem contrair a doença novamente, busca-se explicar a evolução da pandemia da COVID-19 em Caruaru, considerando pessoas que já contraíram a doença e desenvolveram anticorpos e, pessoas que morreram por consequência da doença.
A ideia básica do modelo a ser estimado parte dos seguintes pressupostos: (i) um indivíduo infectado interage com outros e transmite a doença a uma determinada taxa se o outro agente é suscetível; e (ii) um indivíduo infectado também se recupera (ou morre) a uma determinada taxa. Desse modo, o modelo pode ser descrito como um sistema de equações diferenciais ordinárias, não lineares devido à interação entre infectados e suscetíveis. Usando esse modelo, derivamos teoricamente a condição sob a qual a epidemia ocorre e simulamos o pico de indivíduos da população contaminados.

 

4 Análise do modelo: quando se dará o pico de contágio em Caruaru?

Figura 2 traz uma simulação do modelo sobre a evolução da curva de contágio, a partir da criação de dois cenários: (i) previsão para a curva de contágio do modelo SIR (linha azul)¹; (ii) circunstância hipotética supondo intensificação das políticas de contingenciamento (linha laranja)².

Figura 2 – Evolução da Curva de Contágio

Com base nas simulações, os resultados sugerem que o pico de contágio pode ser reduzido de 2,1% (cenário 1) para 0,56% (cenário 2) da população do município. Nesse contexto, as simulações apontam que a epidemia de COVID-19 em Caruaru terá o maior número de pessoas contaminadas entre a 4ª semana de junho e a 1ª semana de julho para o cenário 1; e entre a 2ª e a 3ª semana de setembro para o cenário 2, nesse supondo intensificação das medidas de mitigação do contágio, isto é, com intensificação de isolamento.

Ressalta-se que a verdadeira relação entre o número de casos confirmados e o número de casos efetivamente ocorrendo pode não levar em consideração os casos assintomáticos, dado que a instrução das Secretarias de Saúde locais, em razão da limitação de testes de diagnósticos da COVID-19, é que esses só ocorram mediante apresentação de sintomas. Dessa forma, as previsões evidenciadas pelo procedimento utilizado, nesse primeiro momento, ainda encontra-se sujeitas a diversas incertezas.

A Figura 3 reporta a evolução dos casos de contaminação onde tem-se os casos reais confirmados (linha preta), os casos previstos pelo modelo considerando o cenário 1 (linha azul), e o cenário 2 (linha laranja), com medidas mais restritivas de distanciamento social.

Figura 3 – Evolução dos Casos

Para uma melhor compreensão da gravidade do contágio, levamos em consideração que 5,00%, conforme (ALMEIDA, 2020), do total de contaminados desenvolva os sintomas graves da doença, relacionados a síndrome respiratória aguda. Esse cenário pode ser visualizado na Figura 4, onde é realizado um comparativo entre o pico da curva de contágio acumulada e a capacidade do sistema de saúde do município³.

Figura 4 – Casos Graves no Pico da Doença versus Capacidade do Sistema de Saúde

As simulações mostram que para o cenário 1, a curva de casos graves excederá a capacidade ampliada do sistema de saúde, o que pode a vir deixar pessoas sem nível de assistência necessária. Por outro lado, para o cenário 2, a curva de casos graves passa da capacidade ampliada do sistema de saúde num quantitativo menor, sendo assim, possível atender mesmo que ainda não de modo ótimo, mas num nível relativamente melhor de assistência aos doentes graves.

 

5 Considerações Finais

De forma geral, sugere-se que as medidas de distanciamento social implementadas pelo poder público são de fato necessárias como forma a reduzir a taxa de contaminação da COVID-19 no município de Caruaru, assim como, a viabilidade de atendimento adequado aos que necessitarem de atendimento hospitalar em situações mais graves.
No entanto, ressaltamos ainda que essa análise tem simplificações e dependendo do comportamento da população podendo piorar ou melhorar o quadro em relação sistema de saúde. Por exemplo, o problema de saneamento básico em bairros mais pobres do município, pode facilitar que o vírus invada em algum momento o município de modo simétrico. Desse modo, é preponderante agir assertiva e rapidamente, acompanhando a disseminação da doença na cidade, dado que quanto mais devagar for o avanço da doença, mais espaçado no tempo se dará os casos sobre a capacidade do sistema de saúde, e, mais vidas serão salvas.
Em contrapartida, no âmbito econômico, a recessão em 2020 já está dada, com possíveis reflexos nos anos seguintes ainda não claros, sobretudo, quanto mais demorar as políticas de distanciamento social adotadas.
Por fim, recomendamos que a leitura das análises realizadas nessa nota seja feita com a devida cautela, dado que utilizou-se as informações até então oficiais a respeito do cenário de contaminação do município. Porém, em caso de sub-notificações as projeções aqui apresentadas podem estar subestimadas.

 

Referências

ALMEIDA, A. C. L. Análise do efeito das medidas de contenção à propagação da covid-19 em belo horizonte (23/03 a 29/03). Força de Tarefa de Modelagem, 2020.

ANDERSON, R. M.; HEESTERBEEK, H.; KLINKENBERG, D.; HOLLINGSWORTH, T. D. How will country-based mitigation measures influence the course of the covid-19 epidemic? The Lancet, Elsevier, v. 395, n. 10228, p. 931–934, 2020.

BRASIL/MS. Ministério da saúde. painel coronavírus. [Online]. Disponível: https://covid.saude.gov.br, 2020.

CARUARU. Diário oficial no. 1003 de 18 de março de 2020. [Online]. Disponível: http://diario-oficial.caruaru.pe.gov.br/, 2020.

ENDO, P. T.; SILVA, I.; LIMA, L.; BEZERRA, L.; GOMES, R.; RIBEIRO-DANTAS, M.; ALVES, G.; MONTEIRO, K. H. de C. #fiqueemcasa: Monitorando as tendências de isolamento social na cidade de caruaru. [Online]. Disponível:
http://caruaru.upe.br/news/fiqueemcasa-monitorando-as-tendencias-de-isolamento-social-na-cidade-de-caruaru/, 2020.

KERMACK, W. O.; MCKENDRICK, A. G. A contribution to the mathematical theory of epidemics. Proceedings of the royal society of london. Series A, Containing papers of a mathematical and physical character, The Royal Society London, v. 115, n. 772, p. 700–721, 1927.

TODA, A. A. Susceptible-infected-recovered (sir) dynamics of covid-19 and economic impact. arXiv preprint arXiv:2003.11221, 2020.

 

¹ Atual política de contingenciamento social impostas pelo governo estadual e municipal em Caru-aru, leva em consideração a Portaria No 004/2020 do dia 20 de março decretou a suspensão do funcionamento de todos os estabelecimentos comerciais e de serviços, exceto os considerados essenciais, como agência bancárias, supermercado, farmácias, assim como, o Decreto N. 040, de 23 de abril de 2020 sobre a obrigatoriedade de uso de máscaras para toda população e o Decreto Estadual nº 48.969/2020 sobre orientação de reabertura das lojas de tecido e aviamentos tão representativas para o município (CARUARU, 2020). De acordo com o indicador de contingenciamento o percentual médio do Índice de Isolamento Social da In Loco no período de 20 de março à 14 de abril de 2010, no município, concentrava-se em cerca de 53%

² Na simulação do modelo SIR, o parâmetro β denota a taxa de transmissão da doença. A modelagem da intensificação das medidas de contenção é feito através de um fator multiplicativo sobre tal variável, o que resulta em desaceleração do contágio, reproduzindo, assim, o efeito das medidas em questão. Ante a isso, o Cenário 2, é representando quando, em média, cerca de 60% da população do município está em isolamento social.

³ Para a capacidade do SUS utilizamos o total disponível até o dia 08 de maio de 2020 de 123 leitos, sendo 30 para UTI e 98 para enfermaria, podendo, este último ser ampliado para 110 leitos, conforme as Secretarias de Saúde do Estado de Pernambuco e do Município de Caruaru

 

†Professora da Universidade de Pernambuco (UPE) e Doutora em Economia pelo Programa de Pós Graduação em Economia (PPGE/UFPB).
‡ Doutor em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da UFPB e membro do Laboratório de Inteligência Artificial e Macroeconomia Computacional (LABIMEC/UFPB).
∗ Mestrando em Engenharia de Computação da Universidade de Pernambuco (PPGEC/UPE) e Graduado em Sistemas de Informação pela Universidade de Pernambuco (UPE).
ˁ Professora da Universidade de Pernambuco (UPE) e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Computação (PPGEC/UPE).

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