[1]Leonardo Bezerra (UFRN)
[2]Luciana Lima (UFRN)
[3]Ivanovitch Silva (UFRN)
[4]Marcel Ribeiro-Dantas (Institut Curie)
[5]Gisliany Alves (UFRN)
[6]Patricia Takako Endo (UPE)
O lockdown (que quer dizer confinamento, em português) é o caso mais extremo de distanciamento social que se pode implementar para conter o avanço de doenças como a COVID-19, que até o presente momento já contagiou cerca de 200 mil pessoas, decorrendo em mais de 13 mil mortes em todo o país. O objetivo do lockdown é reduzir de maneira drástica a interação entre as pessoas, permitindo a circulação apenas em casos de primeira necessidade, como compra de suprimentos básicos e para fins de atendimento de saúde em caráter de urgência.
Esta nota tem como objetivo principal analisar as tendências de circulação das pessoas nos estados do Nordeste que adotaram medidas de lockdown, com uma discussão mais detalhada sobre o Rio Grande do Norte, que até o presente o momento não adotou essas medidas. Dados da Google mostram que nos primeiros dias após os decretos de lockdown foi possível verificar, sobretudo para o estado do Maranhão, ganhos nos registros em locais de residência, porém, com tendência de alta na mobilidade em supermercados e farmácias e manutenção da tendência de mobilidade em locais de trabalho. Comparativamente, o Rio Grande do Norte segue tendência nacional, com queda dos registros em locais de residência e aumento na circulação em locais de trabalho e supermercados e farmácias.
Primeiras medidas de lockdown: o caso do Maranhão, Ceará e Pernambuco
No Brasil, o primeiro estado a decretar medidas de lockdown foi o Maranhão. Por meio de decisão proferida em 30 de abril de 2020, o Poder Judiciário concordou com o pedido do Ministério Público estadual (MP-MA) e determinou o confinamento em quatro municípios maranhenses: São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa. Este confinamento teve início em 5 de maio, inicialmente previsto para durar 10 dias. As medidas restritivas para essas localidades incluem ações como a proibição da circulação de veículos particulares, exceto para compra de alimentos, medicamentos, ou transporte de pessoas que necessitassem de atendimento de saúde. Conforme a Figura 1, o número de casos de coronavírus por 100 mil habitantes (coeficiente de incidência) no estado do Maranhão tem crescido rápido no tempo. Em 14/05, o Maranhão apresentava o terceiro maior coeficiente de incidência da Região Nordeste (138,5 casos por 100 mil habitantes), perdendo apenas para os estados de Pernambuco (163,1 casos por 100 mil habitantes) e Ceará (230,8 casos por 100 mil habitantes).
Figura 1: Coeficiente de incidência por COVID-19: 26/02 a 13/05
O Ceará, que reúne o maior número de casos e de óbitos por COVID-19 da Região Nordeste, foi o segundo Estado nordestino a adotar medidas de lockdown. Em 5 de maio, o Poder Executivo estadual determinou o controle da circulação de veículos particulares no município de Fortaleza, durante o período de 8 a 20 de maio de 2020. Em Pernambuco, o pedido do Ministério Público estadual (MP-PE) para que fosse decretado o lockdown no estado foi negado pelo Poder Judiciário em 7 de maio. Em seguida, porém, o Poder Executivo publicou o decreto nº 49.017 de 11 de maio instituindo o confinamento, com a restrição de entrada, saída e circulação de veículos e pessoas em Recife, Olinda, Camaragibe, São Lourenço da Mata e Jaboatão dos Guararapes, durante o período de 16 a 31 de maio de 2020.
Rio Grande do Norte: entre a flexibilização e o enrijecimento das medidas de distanciamento social
No estado do Rio Grande do Norte, o Poder Executivo publicou o decreto Nº 29.634 em 22 de abril de 2020, prorrogando medidas de saúde para o enfrentamento do novo coronavírus e flexibilizando o funcionamento de setores específicos da indústria e do comércio. Desde que observadas as recomendações da autoridade sanitária, esse decreto autorizou o funcionamento de serviços de higiene pessoal, incluindo barbearias, cabeleireiros e manicures; hotéis, flats, pousadas e acomodações similares; e serviços de venda e locação de imóveis, de automóveis e motocicletas, entre outros.
Diante de um contexto de baixa adesão ao distanciamento social no estado, as discussões sobre a suspensão do funcionamento de atividades não essenciais ou até mesmo a adoção do lockdown têm sido fomentadas nos últimos dias. No estado, o município de Itaú foi o primeiro a decretar o bloqueio total, em 12 de maio. Localizado na região do Oeste Potiguar e com uma população de 5.878 habitantes, até o dia 13 de maio esse município apresentava 11 casos confirmados de COVID-19 e nenhum óbito, chegando a um coeficiente de incidência de 187,1 casos por 100 mil habitantes.
Comparado aos demais estados da Região Nordeste, em 13 de maio o coeficiente de incidência no Rio Grande do Norte era um dos três menores da região (67,5 casos por 100 mil habitantes). Além disso, os 117 óbitos pelo novo coronavírus registrados em todo o estado colocam o RN entre os quatro estados do Nordeste com menor número proporcional de óbitos em relação ao tamanho de sua população. Contudo, de acordo com a Secretaria de Estado da Saúde Pública (SESAP) do RN, a taxa de ocupação em leitos de UTI na rede pública nessa data era de 76%, e na rede privada, 62%. Além disso, a ocupação de leitos públicos para a COVID-19 na capital Natal já havia atingido 100%.
A Figura 2 apresenta a tendência de mobilidade para o estado potiguar considerando as seis categorias de atividade dos registros de geolocalização de dispositivos móveis segundo o relatório de mobilidade da COVID-19 disponibilizado pela Google para o período de 15 de fevereiro a 9 de maio. De um modo geral, chamam a atenção:
Figura 2: Tendência de mobilidade no RN segundo categorias de atividades da Google
Efeitos do lockdown nos estados do Nordeste: uma comparação com o Brasil e o RN
Dados do relatório da Google para o Brasil mostram tendência de aumento da circulação de pessoas para as categorias supermercados e compras, locais de trabalho, trânsito, e compras. A categoria que capta registros de aparelhos celulares em locais de residência apresentou clara tendência de decrescimento, sugerindo quebra das medidas de distanciamento social para a média brasileira. A categoria parques foi a única a apresentar tendência menos acentuada de aumento da mobilidade da população (Figura 3).
Figura 3: Tendência de mobilidade no Brasil segundo categorias de atividades da Google
A Figura 4 compara as tendências de mobilidade em locais de trabalho do Brasil, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará. Para o Maranhão, a tendência que seguia ritmo de declínio ainda no final de abril apresentou tendência de estabilização nos primeiros dias após a entrada em vigor das medidas de lockdown para os municípios da região metropolitana de São Luís.
Para o Ceará, cuja medida de lockdown passou a vigorar em 8 de maio, portanto apenas um dia antes do último ponto no tempo considerado nas análises dos dados da Google, o nível de circulação de pessoas em locais de trabalho já era o mais baixo entre todas as unidades da federação consideradas. Nesse estado, o nível de contágio da doença que já atinge a maior marca da Região Nordeste, possivelmente contribuiu para um maior cumprimento da população às medidas de distanciamento social, ao menos no que se refere a esse quesito. Em Pernambuco, que se assemelha ao estado cearense quanto ao número de casos e de óbitos por COVID-19, a tendência de mobilidade em locais de trabalho foi, em nível, a segunda menor entre os estados analisados. Porém, nota-se uma tendência de aumento da circulação de pessoas nesses locais no mês de maio.
O Rio Grande do Norte, que até o presente momento não adotou medidas de lockdown e nem apresenta níveis de contágio e óbitos pelo novo coronavírus tal como os estados do Maranhão, Ceará e Pernambuco vivenciam, a tendência de mobilidade em locais de trabalho foi crescente ao final do período, e em tendência similar à média brasileira, chegando inclusive a ultrapassa-la.
Figura 4: Tendência de mobilidade considerando locais de trabalho: Brasil, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará.
No que se refere à tendência de mobilidade considerando supermercados e farmácias, observa-se tendências opostas para os dois estados cujas medidas de lockdown entraram em vigor no período de análise considerado: para o Maranhão, que adotou o confinamento em quatro municípios da Região Metropolitana de São Luiz, entre elas a própria capital, a tendência pós decreto de lockdown (a medida judicial autorizando o decreto data de 30 de abril) foi de aumento, enquanto no Ceará, que adotou essa medida mais rígida de distanciamento social apenas em Fortaleza e anunciou esses decretos em 5 de maio, a tendência foi de redução. Porém, conforme anteriormente mencionado, no caso do Ceará as medidas e lockdown passaram a vigorar efetivamente a partir de 8 de maio, ou seja, em relação ao estado do Maranhão o período de exposição a essas medidas foi menor. Para a média brasileira e para os demais estados, entre eles o RN, a tendência ao final do período foi de um claro aumento na mobilidade (Figura 5).
Figura 5: Tendência de mobilidade considerando supermercados e farmácias: Brasil, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará.
Já a Figura 6 mostra a tendência de mobilidade considerando locais de residência. O Maranhão que vinha se situando entre os menores patamares em relação aos demais estados analisados para esse quesito, com o decreto de lockdown em 3 de maio entrou em tendência clara de aumento dos registros em regiões domiciliares com relação ao período base da Google (3 de janeiro a 6 de fevereiro de 2020). Ao menos considerando esse quesito, após a medida mais drástica de distanciamento social, o estado maranhense parece ter obtido resultados mais efetivos para manter a pessoas em suas casas. Para o Ceará houve tendência de estabilização de sua tendência, que em nível, foi a maior entre as unidades da federação analisadas e a própria média brasileira.
Figura 6: Tendência de mobilidade considerando locais de residência: Brasil, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará.
Comparado aos demais, em Pernambuco a tendência foi de redução dos registros capturados em locais de residência. Dados de relatórios futuros da Google podem clarificar se essa aparente quebra no distanciamento social considerando essa categoria e atividade se sustenta no tempo ou se ela representa uma tendência momentânea induzida pelos rumores de entrada de alguns dos municípios pernambucanos em confinamento nos primeiros dias de maio. No caso do Rio Grande do Norte, mais uma vez a tendência foi similar à média brasileira, ou seja, de declínio dos registros capturados pela Google em locais de residência (Figura 6).
Conclusões
Em todo o Brasil, a Região Nordeste foi a primeira a apresentar decretos de lockdown. Conforme foi possível verificar pelos resultados apresentados, esta medida, que é considerada uma versão mais rígida de distanciamento social, parece produzir efeitos mais efetivos sob a contenção da circulação de pessoas do que os decretos menos restritivos que vem sendo adotados pelos estados brasileiros desde o início da pandemia. Ao menos com base nos dados para Maranhão, que permitiram analisar as tendências de mobilidade das pessoas alguns dias após a instituição do lockdown na Região Metropolitana de São Luís, houve ganhos mais evidentes, ao menos considerando a mobilidade em locais de residência. No caso da mobilidade em supermercados e farmácias, a tendência do estado maranhense foi de aumento e, embora os decretos de lockdown permitam à população acesso a esses locais, esperava-se uma redução da mobilidade no tempo para essas categorias de atividades consideradas pela Google. Também no caso do Maranhão, houve tendência de estabilidade na mobilidade em locais de trabalho no período pós lockdown. É possível que uma tendência declinante não tenha sido alcançada pelo fato de que uma parcela importante de sua população apresente vínculos empregatícios informais, o que dificulta a manutenção das pessoas em suas casas. Nesses casos, é necessário que políticas de assistência social, como o auxílio emergencial à população de baixa renda, sejam implementadas para conter a circulação de pessoas. Todavia, análises futuras incluindo uma maior série temporal podem ser úteis para verificar como essas tendências apresentadas pelo estado maranhense se comportam no tempo. Para os estados do Ceará e de Pernambuco, análises com novos dados da Google poderão descrever melhor o quão as medidas de endurecimento do distanciamento social obtiveram sucesso na adesão da população.
Embora o Rio Grande do Norte não apresente níveis elevados de casos confirmados e óbitos por COVID-19 quando comparado a estados como Ceará, Pernambuco e Maranhão, observar as experiências desses estados que estão mais próximos do RN pode ser um importante exercício para não repetir o mesmo cenário epidemiológico em um futuro breve. O RN vem apresentando sistematicamente níveis muito baixos de distanciamento social, e esse estado de relaxamento da população aliado às medidas de flexibilização dos decretos estaduais pode se converter em uma maior propagação da doença. Consequentemente, a pressão no sistema de saúde público e privado do estado pode atingir níveis além de sua capacidade. As diferentes medidas abaixo podem ser consideradas para evitar este cenário, podendo fazer a diferença para salvar vidas em todo o estado:
[1] Professor adjunto do Instituto Metrópole Digital da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IMD/UFRN) e membro do Programa de Pós-graduação em Tecnologia da Informação (PPgTI/UFRN).
[2] Professora adjunta do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DDCA/UFRN) e vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Demografia (PPgDEM/UFRN).
[3] Professor adjunto do Instituto Metrópole Digital da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IMD/UFRN) e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e de Computação (PPgEEC/UFRN)
[4] Pesquisador no Institut Curie (UMR168), Mestre em Bioinformática (UFRN) e doutorando na L’école doctorale informatique, télécommunications et électronique (EDITE) da Sorbonne Université (Paris).
[5] Graduada em Ciências e Tecnologia e em Engenharia de Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e mestre em Engenharia Elétrica e de Computação (PPgEEC/UFRN).
[6] Professora adjunta da Universidade de Pernambuco (UPE) e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Computação (PPGEC/UPE).
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